NOTA DE ESCLARECIMENTO A RESPEITO DO LAUDÊMIO DE PETRÓPOLIS

Publicado em 21/02/2022 às 12:00:37

NOTA DE ESCLARECIMENTO A RESPEITO DO LAUDÊMIO DE PETRÓPOLIS

 

Em razão da recente e terrível tragédia resultante das chuvas em Petrópolis (RJ) — cujo tamanho da fatalidade ainda está sendo mensurado —, um assunto sem relação com o fato tomou as páginas da imprensa: a questão do laudêmio de Petrópolis.

 

Apesar de o ramo dinástico da Família Imperial, o dito “Ramo de Vassouras” — o qual a Pró Monarquia, na qualidade de Secretariado da Casa Imperial do Brasil, representa e assessora — não perceber quaisquer valores do laudêmio de Petrópolis, fui convidado a tecer alguns breves comentários sobre o tema a fim de esclarecer os monarquistas a respeito desse assunto que se reveste de certa desinformação. Desinformação essa muitas vezes replicada com certa vilania pelos detratores da forma monárquica de governo, que apontam o laudêmio como “imposto” pago à Família Imperial, uma espécie de privilégio, e o apelidaram de “taxa do Príncipe”. 

 

A cidade de Petrópolis foi fundada onde se localizava a antiga Fazenda do Córrego Seco, adquirida em 6 de fevereiro de 1830 pelo Imperador Dom Pedro I pela quantia de vinte contos de réis, visando à construção de um palácio de verão. Rebatizada de Fazenda da Concórdia, o plano de Dom Pedro I não se concretizou imediatamente em razão de sua abdicação, da hipoteca da Fazenda para custear sua estadia no exílio na Europa antes da Guerra Civil Portuguesa e de seu falecimento em 1834, que resultou um longo processo de inventário, grande parte em razão do movimento de seus credores tanto na justiça europeia quanto na brasileira.

 

Somente em 1842 e após terem sido pagos os credores de Dom Pedro I, a Fazenda, avaliada em 14 contos de réis, integrou na partilha o quinhão do Imperador Dom Pedro II. Sendo a maior parte das terras do imóvel improdutiva, desenrolou-se um plano de negócios para elas. Por meio do Decreto nº 155/1843, Dom Pedro II arrendou a Fazenda ao Major Engenheiro Júlio Frederico Koeler, que deveria separar a área do Palácio Imperial com suas dependências e jardins, um terreno para construção da Igreja de São Pedro de Alcântara, Padroeiro do Brasil, e a área e a planta da futura cidade de Petrópolis, cuja área seria aforada aos particulares, de onde resulta a instituição do laudêmio.

 

Mas, o que seria então o laudêmio e por qual razão ainda é pago?

 

Em linhas gerais, o laudêmio não se reveste de caráter público ou fiscal, não é um imposto, um tributo, tampouco uma taxa, mas resulta do regime da enfiteuse (ou aforamento), um direito real sobre coisa alheia tal qual as servidões, o usufruto, o penhor etc. Por meio deste regime, o dono do imóvel (ou senhorio direto) cede o uso de sua propriedade, ou parte dela, a um enfiteuta (ou foreiro) que toma posse do domínio útil da propriedade, mediante aceitação do pagamento anual de foro e de certo conjunto de condições, como o pagamento do laudêmio quando esse domínio útil for transferido para terceiro pelo enfiteuta. Exceto em condições específicas de extinção, o contrato de enfiteuse é perpétuo.

 

O laudêmio, portanto, está sob regência do direito privado e se manteve vigente independentemente dos resultados políticos do golpe de Estado de 15 de novembro de 1889 e da instauração da República no Brasil. Inclusive, a instituição do laudêmio não era um privilégio do Imperador, podendo ser instituído por quaisquer particulares. De fato, várias localidades do Brasil, em razão da perpetuidade do contrato de enfiteuse, ainda pagam o laudêmio a senhorios diretos, sejam eles decorrentes de enfiteuses públicas, como a da Marinha, ou privadas.

 

O instituto da enfiteuse, que durante o Império e início da República era regido pelo Direito Romano, foi acolhido pelo Código Civil de 1916, de forma que o valor pago de 2,5% a título de laudêmio advém do artigo 686 desse diploma. Somente com a Constituição de 1988 e com o Código Civil de 2002, o regime da enfiteuse e laudêmio foi alterado. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, artigo 49, a faculdade da extinção do regime da enfiteuse privada ao legislador, mantendo, no entanto, a enfiteuse pública dos terrenos de Marinha. O Código Civil de 2002, por sua vez, cristalizou as enfiteuses e subenfiteuses privadas até então constituídas, proibindo a criação de novas, e submetendo as existentes à regência do Código Civil de 1916, como dita o seu artigo 2.038. Assim, as regiões centrais de Petrópolis e dos bairros Quitandinha, Mosela e Itamarati, da antiga Fazenda Imperial de Petrópolis, estão submetidas perpetuamente a esse regime cristalizado pelo Código Civil de 2002.

 

No entanto, por qual razão não é a Família Imperial do Brasil quem recebe o laudêmio de Petrópolis?

 

À época do Império, a administração das obras e aforamentos ficava a cargo da Superintendência da Fazenda Imperial de Petrópolis, subordinada à Mordomia da Casa Imperial. Com a incompatibilidade desses órgãos com a República, essa posição foi assumida pela Companhia Imobiliária de Petrópolis na década de 1930, a qual, dividida em ações pertencentes a membros da Família Imperial, conseguia gerir e partilhar de forma mais eficaz os rendimentos decorrentes dos aforamentos da antiga Fazenda Imperial. Atualmente é a Companhia Imobiliária de Petrópolis que percebe o laudêmio, porém nem todos os descendentes de Dom Pedro II são acionistas de tal Companhia Imobiliária.

 

Na década de 1940, ocorrera a ameaça pela Ditadura Vargas da extinção do regime da enfiteuse e do laudêmio, com apropriação das antigas terras pertencentes à Fazenda Imperial pela União. Isso fez com que o procurador do Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil de 1921 a 1981, e de alguns outros membros da Família Imperial — incomunicáveis na Europa em decorrência da Segunda Guerra Mundial —, vendesse as ações a eles pertencentes da Companhia Imobiliária de Petrópolis. Essa venda foi, posteriormente, questionada em juízo em ação movida por Dom Pedro Henrique, uma vez que não estaria ciente da venda por estar incomunicável na França ocupada pelos nazistas, mas não logrou êxito.

 

Em razão dessa venda, o Ramo dinástico de “Vassouras” da Família Imperial do Brasil, por não possuir mais ações da Companhia Imobiliária de Petrópolis, não percebe os rendimentos obtidos na forma de laudêmio dos aforamentos da antiga Fazenda Imperial de Petrópolis.

 

Entendo que a discussão sobre o tema acima, movimentada pela imprensa e por grupos políticos, é extremamente inoportuna no delicado momento em que os esforços deveriam estar voltados em resgatar os sobreviventes, confortar os parentes daqueles que perderam a vida nessa tragédia, abrigar aqueles que perderam suas casas e repensar as políticas públicas para que eventos dessa natureza não mais ocorram.

 

Nesse sentido, envio aos petropolitanos meus sentimentos de solidariedade e minhas orações, além do apelo aos monarquistas e cidadãos de boa vontade, especialmente os jovens, que arrecadem donativos para aqueles que nesse momento de privação tanto necessitam. 

 

São Paulo, 21 de fevereiro de 2022

 

Guilherme de Faria Nicastro

Diretor da Juventude Monárquica do Brasil pelo Estado de São Paulo

Membro colaborador da Pró Monarquia