COMUNICADO: A PROPÓSITO DAS ORDENS DE CRISTO, DE SANTIAGO DA ESPADA E DE SÃO BENTO DE AVIS

Publicado em 04/02/2022 às 12:00:45

COMUNICADO: A PROPÓSITO DAS ORDENS DE CRISTO, DE SANTIAGO DA ESPADA E DE SÃO BENTO DE AVIS

 

A historiografia de nosso tempo em larga medida faz justiça à Idade Média e reconhece os méritos dessa época histórica, que já não é mais apontada como “era das trevas” ou “longa noite de mil anos”. Cada vez mais parcelas significativas do grande público se voltam com simpatia, com saudade e até mesmo com uma ponta de esperança para a Idade Média, quando, nas palavras do Papa Leão XIII, “a filosofia do Evangelho governava os Estados” (Encíclica Immortale Dei, de 1/11/1885).

 

O grande incremento que vem tomando o movimento monárquico no Brasil, nos últimos anos, e a explicável atração exercida entre os jovens pela Cavalaria, pelas Cruzadas e pelas Ordens Militares do passado (muito especialmente pela Ordem de Cristo, tão ligada à História do Brasil), explicam o glamour exercido pela ideia de uma possível reativação, em nossos dias, de ordens de cavalaria medievais que tanto bem fizeram.

 

A Casa Imperial do Brasil foi consultada acerca de um parecer que tem circulado em algumas redes sociais, expendido por um advogado italiano a pedido de D. Pedro Tiago de Orleans e Bragança, filho de D. Pedro Carlos e neto mais velho do falecido D. Pedro Gastão de Orleans e Bragança.

 

Em dito parecer, o advogado procura afirmar supostos direitos de D. Pedro Tiago à sucessão do grão-mestrado das ordens de Cristo, de Santiago da Espada e de São Bento de Avis. Embora o parecer não aluda a uma reativação efetiva e imediata dessas três ordens, tudo leva a crer que foi encomendado com vistas a, em futuro não muito distante, D. Pedro Tiago iniciar uma distribuição de comendas e medalhas. A expressão “distribuição”, no caso, é bastante benévola e quase eufemística para não se falar em comércio. A trajetória pessoal de D. Pedro Tiago, sua infância e juventude difíceis e atribuladas, assim como suas sucessivas tentativas de estabelecimento profissional em várias áreas, são conhecidas do público brasileiro. Trata-se de uma pessoa que não podemos deixar de ver com benevolência e com sincero desejo de que, afinal, encontre um rumo existencial adequado, digno do nome ilustre que porta e do nobilíssimo sangue que lhe corre nas veias.

 

Para esclarecimento do público monárquico, entretanto, informamos que S. A. I. R. o Príncipe D. Luiz de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil, não julga oportuna e não aprova, na presente quadra histórica, a ideia de uma reativação das aludidas Ordens. 

 

Nessa postura, D. Luiz dá continuidade a uma linha de conduta invariavelmente seguida desde 1889 pelos sucessivos Chefes da Casa Imperial do Brasil – D. Pedro II (1889-1891), Princesa Isabel (1891-1921) e D. Pedro Henrique (1921-1981) – que nunca quiseram restaurar e dar plena atividade às Ordens Imperiais de que eram legítimos representantes.

 

Pedro Henrique integrou o comitê de patrocinadores do VI Congresso Internacional de Genealogia e Heráldica, realizado em setembro de 1962 em Edimburgo, na Escócia. Faziam parte desse comitê de altíssimo nível personalidades como o Príncipe Philip, Duque de Edimburgo; o Rei Umberto, da Itália; o Príncipe de Liechtenstein; o Conde de Paris, Chefe da Casa Real Francesa; o Grão-Duque Wladimir, Chefe da Casa Imperial Russa; o Príncipe D. Pedro Henrique, Chefe da Casa Imperial do Brasil; o Duque de Castro, Chefe da Casa Real de Bourbon-Sicílias; o Duque da Baviera, Chefe da Casa Real Bávara; o Príncipe Ernesto Augusto, Chefe da Casa Real de Hanover; e o Duque de Wurtemberg, Chefe da Casa Real de mesmo nome, além de um Cardeal da Cúria Romana (Cardeal William T. Heard). Esse Congresso, realizado sob o alto patrocínio desses ilustres Chefes de Casas, procurou estabelecer normas para conter a proliferação de Ordens de Cavalaria mais ou menos fantasiosas e não devidamente autorizadas pelos legítimos Chefes de Casas.

 

No tocante a Ordens de Cavalaria, D. Pedro Henrique, ao longo dos 60 anos de sua permanência na Chefia da Casa Imperial, adotou normas que seu filho D. Luiz sempre manteve. Repetidas vezes instado a conceder títulos e condecorações, ou a reconhecer brasões de armas, D. Pedro Henrique estabeleceu:

 

1) Não institucionalizar regularmente essas concessões e reconhecimentos no contexto republicano vigente, porque – explicava – não via sentido em fazê-lo enquanto estivesse privado de meios coercitivos eficazes para depor e degradar os agraciados que se revelassem mais tarde indignos da mercê recebida;

 

2) Excepcionalmente, porém, e num ou noutro caso muitíssimo especial, fazer uso dos seus atributos de Chefe de Casa nessas matérias, tão-só para marcar que não abria mão deles. Era uma exceção que mais bem confirmava a regra geral.

 

Quanto ao parecer que está circulando nas redes sociais, ele não tem a menor validade no caso concreto do Brasil e incorre em graves erros interpretativos, devidos provavelmente ao fato de o parecerista desconhecer particularidades da história luso-brasileira e não ter sido devidamente abastecido, pelo consulente, de informações indispensáveis para contextualizar adequadamente o tema sobre o qual lhe era solicitado o parecer, e também a uma leitura apressada e não inteiramente assimilada de uma Bula do Papa Leão XII. 

 

O advogado italiano, na realidade, baseia toda a sua argumentação na Bula Praeclara Portugalliae, de 30 de maio de 1827, a qual, segundo seu parecer, confirmaria a natureza eclesiástica (e, portanto, a sujeição ao ordenamento canônico da Igreja) das Ordens de Cristo, de Santiago da Espada e de São Bento de Avis); tais Ordens, ainda segundo o parecer, permaneceriam com plena existência ainda nos dias de hoje, já que pelo Direito Canônico elas somente deixariam de existir se revogadas formalmente por um ato da autoridade eclesiástica ou se ficassem 100 anos sem atividade; e afirma, sem base alguma, que em Portugal essa bula continuou sendo observada até pelo menos a década de 1970. De tudo isso, conclui que as três ordens, com o caráter religioso que lhes atribuiria a bula, mantêm existência canônica e podem ser reativadas ainda hoje não só em Portugal, mas também no Brasil. 

 

Essa argumentação não tem a menor realidade fática nem jurídica. De fato, a Bula Praeclara Portugalliae teve origem nas tratativas diplomáticas do Império do Brasil, com vistas a obter da Santa Sé o reconhecimento da Independência e a manutenção, para os Imperadores do Brasil, das mesmas prerrogativas que em Portugal possuíam os Reis, no tocante aos chamados “Direitos de Padroado”, exercidos pelos monarcas portugueses enquanto grão-mestres das antigas Ordens de Cavalaria que, havia muito tempo, tinham deixado de ser ordens religiosas e eram instituições de âmbito puramente temporal, muito embora uma delas – a de Cristo – comportasse atribuições espirituais, como por exemplo a indicação de Bispos, os quais eram em seguida confirmados pelos Papas, e o direito de cobrança, à maneira de imposto, dos dízimos dos fieis, em contrapartida da obrigação de manutenção do clero e do culto divino por parte da Coroa. Os monarcas lusos entendiam que essas atribuições eram um direito régio herdado das antigas Ordens que, repita-se, havia muito tinham deixado de ser religiosas; a Santa Sé, pelo contrário, entendia que as indicações para os bispados não eram direito próprio dos reis, mas apenas um costume tolerado pelos sucessivos pontífices que, pro bono pacis, sistematicamente confirmavam as indicações régias; entendia, mais, que os monarcas apenas indicavam os candidatos ao episcopado, mas a confirmação pontifícia é que de fato os constituía antístites da Igreja Católica; e fechava os olhos para a cobrança dos dízimos que, na prática, haviam-se incorporado ao sistema tributário geral do reino português.

 

Durante séculos inteiros perdurou essa situação um tanto singular e até mesmo dúbia – que, registre-se de passagem, em outros países europeus de certa forma também ocorreu. No contexto da Independência do Brasil e diante do pedido de D. Pedro I de que o novo Império fosse reconhecido pela Santa Sé, o Papa Leão XII julgou oportuno reafirmar, em documento solene, o entendimento eclesiástico nessa matéria. É por isso que, nos seus parágrafos iniciais, destacou o papel histórico que no passado haviam desempenhado essas Ordens, com a finalidade de cumprir a missão essencialmente religiosa de conservar e propagar a Fé Católica, e elogiou grandemente a atuação dos Reis e Príncipes portugueses que haviam se destacado no cumprimento dessa alta missão. A Bula, entretanto, referia-se às Ordens de São Bento de Avis e Santiago da Espada como extintas, porque desde o século XVI as considerava incorporadas à Ordem de Cristo, a única que, na ordenação jurídica da Igreja, considerava ainda existente. Essa Ordem de Cristo, o documento de Leão XII determinava que continuasse a existir no Brasil, sob o grão-mestrado “de nosso Caríssimo Filho em Cristo Pedro I, imperador na região do Brasil”, independente da Ordem de Cristo portuguesa, que continuaria a existir em Portugal sob o grão-mestrado do Rei de Portugal. O Papa sancionava, assim, a situação de fato criada com a Independência do Brasil, quando, “para a felicidade de ambas as nações portuguesa e brasileira” se haviam separado os dois Reinos, ficando um com D. João VI e o outro com o Príncipe do Brasil, agora com o título de Imperador. 

 

A bula de Leão XII, entretanto, nunca foi aceita nem aplicada no Brasil. Nos termos da Constituição Imperial, ela necessitava de uma confirmação, pelo Imperador, para ter vigência no Império. Essa confirmação – que sem dúvida era abusiva em assuntos puramente espirituais como a nomeação de um Bispo, mas que até certo ponto podia se explicar politicamente em matérias em que Igreja e Estado, umbilicalmente unidos na época, tinham uma larga faixa de atividades em que ocorria interpenetração de interesses e atribuições – era chamada “beneplácito”. No caso concreto da bula de 1827, a Câmara dos Deputados, influenciada pelos princípios regalistas de inspiração jansenista então em voga, deu parecer contrário e o beneplácito não foi concedido. Na prática, entretanto, o Império continuou a indicar os Bispos e a Santa Sé continuou a confirmá-los. Ou seja, a mesma situação de dubiedade já preexistente em Portugal teve continuidade no Brasil.

 

Especificamente no caso das Ordens, elas continuaram a ser conferidas por D. Pedro I, nos poucos anos em que ainda reinou no Brasil, exatamente como vinha fazendo desde a Independência, e mais tarde continuaram a sê-lo por D. Pedro II. Em 1843, um decreto do novo imperador retomou o assunto desde 1827 suspenso, consagrando a rejeição da bula pontifícia e declarando que “de ora em diante [as três Ordens deviam ser] tidas e consideradas como meramente civis e políticas, destinadas para remunerar serviços feitos ao Estado tanto pelos súditos do Império como por estrangeiros beneméritos”.

 

Na prática, eram três Ordens brasileiras, com o mesmo nome, as mesmas insígnias e a mesma remota origem que as portuguesas, mas independentes e sem nenhuma vinculação com as lusas; tinham finalidades de natureza política e nem de longe podiam ser consideradas de natureza religiosa. Pouco depois do golpe republicano de 1889, foram extintas pelo novo regime e nunca mais atuaram no Brasil. 

 

Em Portugal, todas as Ordens religiosas masculinas foram extintas e tiveram seus bens confiscados pela Coroa em junho de 1834, e algumas semanas depois também às antigas Ordens Militares se estendeu a mesma disposição, de modo que foram extintas e seus bens expropriados e vendidos em hasta pública. Algum tempo depois, reapareceriam com as designações de Cristo, de São Bento de Avis e de Santiago, mas de natureza declaradamente civil e com finalidades inteiramente diversas das antigas Ordens, as quais, aliás, já vinham sendo dessacralizadas de longa data, e mais acentuadamente o foram desde 1789, quando reformadas por Carta de Lei da rainha D. Maria I. Assumiram, no quadro institucional da monarquia liberal lusa, precisamente o mesmo caráter das suas congêneres brasileiras após a recusa, pelo Império, da Bula de 1827. Eram Ordens puramente honoríficas, de Estado, tinham natureza civil e em nada dependiam do Direito Canônico.   

 

Essas ordens civis tiveram vigência, em Portugal, até a proclamação da república, quando foram extintas. Alguns anos mais tarde, o governo republicano luso resolveu dar-lhes de certa forma continuidade, mas alterou ainda mais as finalidades de cada uma delas. Até hoje permanecem em vigência em Portugal, sem nenhuma vinculação com as ordens da Monarquia liberal portuguesa e, menos ainda, com as Ordens de Cavalaria instituídas no Medievo com a missão essencialmente religiosa de defender e propagar a Fé católica. Basta dizer que foi condecorado com a Ordem de Santiago da Espada, em 1920, o poeta anticlerical Guerra Junqueiro e, em 1999, o escritor ateu e comunista José Saramago; que receberam a Ordem de São Bento de Avis anglicanos, luteranos e até o maometano rei Mohammed VI de Marrocos; e que a Ordem de Cristo já foi conferida a budistas, brâmanes, luteranos e até a um ateu declarado, como o socialista Mário Soares.

 

Assim sendo, pretender que continua em pleno vigor a Bula pontifícia de 1827 porque ela foi observada em Portugal “até pelo menos a década de 70 do século XX”, não faz o menor sentido. Essa bula e seu alcance político e canônico só podem ser entendidos mediante uma contextualização histórica, que deveria ter sido fornecida, e obviamente não o foi, ao parecerista. Este se limitou a desenvolver sua argumentação a partir da suposição – não demonstrada em nenhum momento e desmentida pelos fatos – de que Ordens de natureza eclesiástica continuaram a existir em Portugal. 

 

De tal forma lhe foi apresentada distorcida a situação fática que o parecerista nem percebeu que incorreu em paralogismo grave: na sua argumentação, ele afirma que as Ordens de natureza eclesiástica de 1827 existem porque permaneceram ativas até a década de 1970; e as ordens ativas na década de 1970 são as mesmas de 1827 porque existem em 1970. Em outras palavras, ele incidiu inadvertidamente no erro lógico da petitio principii, que consiste em apresentar como argumento em favor da tese um argumento que somente se sustenta supondo demonstrada a mesma tese.

 

Cai por terra todo o restante da argumentação do parecer – que sustenta, aliás de modo bastante discutível, que o grão-mestrado das Ordens não foi atribuído por Leão XII a D. Pedro I enquanto imperador do Brasil, mas tão somente enquanto príncipe que per accidens também era Imperador, e que por isso não se transmitiria  necessariamente de monarca a monarca (ou de Chefe de Casa a Chefe de Casa), mas somente por primogenitura de príncipe a príncipe. Nesse particular, o parecerista manifestamente faz, de acordo com a expressão francesa, “flèche de tout bois”, para não dizer que faz chicana. Ele pega algumas passagens da parte introdutória da Bula, em que são referidos os Reis e Príncipes antigos de Portugal, e uma referência concreta a D. Pedro no contexto da Independência, quando ainda era Príncipe de Portugal e também Imperador do Brasil, para concluir, de modo absolutamente indevido, que a Bula não conferia o grão-mestrado das Ordens brasileiras a D. Pedro enquanto Imperador do Brasil, mas enquanto príncipe que per accidens também tinha o título de imperador. Dessa distinção forçada, conclui que a sucessão do grão-mestrado das Ordens deveria ser por primogenitura absoluta, independente do fato de ser ou não o grão-mestre imperador do Brasil. É com essa distinção cerebrina que conclui ser D. Pedro Tiago o herdeiro do grão-mestrado!

 

Na verdade, a Bula de Leão XII é claríssima e o parecerista ou não entendeu o seu latim, ou manifestamente chicaneou. Duas vezes, no parágrafo 8, é explícita e taxativamente afirmado pelo Pontífice o contrário do que o parecerista conclui:

 

“… praesentibus perpetuo valituris literis, Petrum primum et pro tempore existentem Brasiliensis regionis imperatorem magnum praedictorum ordinum simul unitorum, seu militiae ordinis Jesu Christi magistrum declaramus, ita ut tam ipse Petrus, quam qui in posterum Brasiliense imperium obtinebunt, tamquam magistri et perpetui ejusdem ordinis administratores eadem omnino privilegia, juraque habeant, quae in ea regione reges Portugalliae tamquam dictis ordinis magistri auctoritate praedecessorum Nostrorum obtinebant …”

 

[por estas letras que para sempre terão validade, declaramos Pedro I e quem for então imperador das regiões brasileiras grão-mestre das referidas Ordens uma vez unidas, ou seja da Ordem Militar de Cristo; de tal forma que tanto o mesmo Pedro, como aqueles que no futuro lhe sucederem no Império do Brasil, gozem como mestres e perpétuos administradores da mesma Ordem, de todos os privilégios e direitos que por autoridade dos nossos Predecessores possuíam nessas regiões os Reis de Portugal na qualidade de Mestres da dita Ordem…]

 

No parágrafo 9, referindo-se especificamente à indicação e nomeação de Bispos e outros beneficiados eclesiásticos, mais uma vez o Papa deixa bem claro que é ao Imperador do Brasil e seus legítimos sucessores no Império que se está a referir:

 

“… eadem omnia spectare ad imperatorem Petrum primum, ejusque in imperio successores, ab iisdemque exerceri, tamquam magnis ordinis Jesu Christi magistris et perpetuis administratoribus posse declaramus.”

 

[… declaramos que todas essas coisas se atribuem ao imperador Pedro primeiro e aos seus sucessores no império, enquanto grão-mestres e perpétuos administradores da Ordem de Jesus Cristo]

 

Tampouco se sustenta a afirmação, feita pelo parecerista, de que a Bula Praeclara Portugalliae continua em vigor porque não foi jamais revogada pela autoridade eclesiástica. Na verdade ela o foi em parte substancial, pelo Papa São Pio X, que em 7 de fevereiro de 1905, pelo breve Multum ad excitandos, legislou acerca da Ordem de Cristo. Quando em 1318 o Papa João XXII aprovou a constituição da Ordem de Cristo, reservou para si e para os seus sucessores no papado o direito perpétuo de investirem certo número de cavaleiros. Esse direito, os Papas o haviam exercido séculos a fio e era essa uma das características que marcavam o caráter religioso da Ordem de Cristo – sem embargo do caráter cada vez mais político e menos religioso que essa Ordem, assim como as outras duas, vinham tomando desde que o seu grão-mestrado fora assumido pelos reis de Portugal, no século XVI. De tal forma, porém, tanto Portugal quanto o Brasil se haviam afastado desse caráter, que o Papa São Pio X decidiu transformar profundamente o caráter da Ordem de Cristo, elevando-a à suprema dentre as Ordens Equestres da Igreja. Desde então ela passou a ser conferida numa única classe, e quase exclusivamente a Reis, Príncipes e, por extensão, chefes de Estado. Esse ato de São Pio X demonstra à saciedade que, na ótica da Santa Sé, a Bula de 1827, pelo menos no tocante à Ordem de Cristo, nenhuma validade mais tinha. Se a Ordem de Cristo que, em 1905, o Rei D. Carlos I continuava a conferir em Portugal tivesse o caráter religioso proposto pela Bula de 1827, claro está que o Papa São Pio X não o teria ignorado. 

 

O consultor italiano também não parece ter entendido o latim da Bula de 1827 quando, no primeiro parágrafo do seu parecer, afirma: ‘La Bolla Paeclara [sic] Portugalliae, emanata da S.S. Papa Leone XII nel 1827 e mai revocata conferma la natura ecclesiastica dei tre Ordini Cavallereschi di Gesù Cristo, San Giacomo della Spada e San Benedetto da Avis…”. Com essas palavras introduz o tema de seu parecer, para concluir, no final, que é a D. Pedro Tiago, “nell´indisponibilità dell´Augusto Padre il Principe Dom Pedro Carlos” que incumbe o grão-mestrado das três.

 

Se tivesse lido com atenção a bula, veria que ela considera como existente em 1827 única e exclusivamente a Ordem de Cristo, supondo que as duas outras Ordens não mais existiam desde o século XVI, porque tinham sido incorporadas, por força da Bula Praeclara charissima, do Papa Júlio III, à Ordem de Cristo. Somente da Ordem de Cristo e de seu desmembramento em dois ramos, o português e o brasileiro, tratou o Papa Leão XII. 

 

Por todas essas razões, e outras mais que nem vem ao caso explanar aqui porque desnecessárias, S. A. I. R. o Príncipe D. Luiz de Orleans e Bragança desaprova formalmente, e me encarrega de torná-lo público, o intento de reativação das três Ordens intentado por D. Pedro Tiago de Orleans e Bragança com base no aludido parecer. 

 

São Paulo, 4 de fevereiro de 2022

 

José Guilherme Beccari

Presidente do Conselho de Administração

Pró Monarquia

 

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